Orgânicos x não orgânicos no Brasil: o que muda, como reconhecer e por que defender preço justo

Todo mundo merece comida boa, produzida com respeito à terra e às pessoas. No Brasil, isso tem nome e tem regra: produto orgânico. Não é moda nem etiqueta bonita. É um sistema de produção definido em lei, com controles, auditorias e responsabilidade compartilhada para garantir que aquilo que chega ao seu prato foi cultivado sem transgênicos, com uso restrito de insumos sintéticos e com práticas que preservam o solo, a água, a biodiversidade e a saúde de quem planta e de quem consome. A base legal está na Lei 10.831/2003 e no Decreto 6.323/2007, que estruturam a produção e a comercialização de orgânicos no país.

produtos organicos

O que diferencia um orgânico de um não orgânico

Orgânico é um sistema de produção, não um adjetivo. Pela legislação brasileira, é orgânico o produto in natura ou processado obtido em sistema orgânico de produção agropecuária, ou de extrativismo sustentável que não prejudique o ecossistema local. Isso inclui manejo do solo com adubação verde e compostagem, rotação de culturas, controle biológico de pragas e atenção à saúde do agroecossistema como um todo. Não se trata de “ausência de química”, e sim de um conjunto de práticas e limites definidos em norma.

Existem três pontos práticos que mais distinguem um orgânico de um convencional:

  1. Transgênicos são proibidos nos orgânicos. A regulação brasileira dos orgânicos veda o uso de OGMs e seus derivados no sistema de produção e no processamento. Isso não deslegitima a existência de transgênicos no país, que são regulados pela Lei de Biossegurança, mas estabelece um padrão claro para quem opta pelo sistema orgânico.

  2. Insumos sintéticos são fortemente restringidos. Há listas positivas e condições de uso para controle de pragas e doenças e para fertilização, priorizando métodos biológicos, mecânicos e culturais. O foco é prevenir, não remediar.

  3. Bem-estar animal e alimentação regrada no orgânico. Na produção animal, há exigências de bem-estar, acesso a áreas externas e regras para alimentação. Em situações excepcionais, admite-se fração limitada de insumos não orgânicos, desde que não contenham OGM, sempre sob plano de manejo aprovado.

No convencional, por sua vez, a regra é a da agricultura de base industrial, com uso amplo de sementes híbridas ou transgênicas, fertilizantes solúveis e pesticidas sintéticos conforme registros e limites legais. Esse modelo pode alcançar alta produtividade, mas costuma externalizar custos ambientais e sociais que não aparecem no preço final do supermercado.

Selos e mecanismos de garantia: como reconhecer o orgânico de verdade

No Brasil existe um selo único nacional, o SISORG. É aquele oval com a expressão “Produto Orgânico Brasil”, que aparece no rótulo quando a unidade de produção e o processo de certificação estão regulares. Muitas embalagens exibem também o logotipo da certificadora, mas o selo nacional é a garantia oficial de conformidade.

Para portar o selo, o produtor precisa estar em um dos três mecanismos de garantia reconhecidos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA):

  1. Certificação por auditoria. Um Organismo de Avaliação da Conformidade (OAC) credenciado audita periodicamente a unidade e o processo, verifica registros, rastreabilidade e cumprimento das normas. É o caminho mais conhecido de quem vende para redes e larga escala.

  2. Sistema Participativo de Garantia (SPG). Grupos de produtores, técnicos e consumidores formam um OPAC (Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade) credenciado no MAPA. Há visitas cruzadas, avaliação por pares e gestão coletiva das não conformidades. O resultado também dá direito ao selo SISORG.

  3. Organismo de Controle Social (OCS) para venda direta. Agricultores familiares cadastrados no OCS e no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos podem vender direto ao consumidor sem o selo no rótulo, desde que identifiquem-se como orgânicos, mantenham registros e se submetam a visitas e ao controle social do grupo. Para o público, a segurança é consultar o cadastro e a relação de confiança típica de feiras e cestas.

Como consumidor, duas dicas simples resolvem 90% das dúvidas: procurar o selo SISORG no rótulo e, em compras diretas, consultar o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos e perguntar pela OCS ou certificadora responsável.

Processados também podem ser orgânicos

Não é só alface. Farinhas, cafés, chocolates, óleos, laticínios e cosméticos podem ser orgânicos quando toda a cadeia cumpre as regras e os ingredientes atendem ao regulamento específico. Em alimentos, o uso do selo exige que o processamento preserve a integridade orgânica e respeite as listas de aditivos permitidos. Nos cosméticos orgânicos, há regulamentos próprios e critérios que remetem ao SISORG. Em todos os casos, vale o mesmo princípio: rastreabilidade e conformidade reconhecida.

Por que orgânicos custam mais e por que vale defender preço justo

O preço na gôndola costuma esconder histórias. No convencional, parte do custo ambiental fica do lado de fora do balanço: erosão do solo, contaminação de água, perda de polinizadores, intoxicações e dependência de insumos importados. O orgânico internaliza cuidados: mais mão de obra qualificada, manejo de solo que leva tempo para maturar, certificação, registros e logística muitas vezes em menor escala. Se colocarmos tudo na mesma conta, o barato pode sair caro para a sociedade.

Defender orgânicos a preço justo não é pedir subsídio eterno nem ignorar produtividade. É reconhecer que o alimento de verdade leva tempo, conhecimento e dedicação, e que políticas públicas, compras institucionais, crédito rural adaptado e cadeias curtas ajudam a tornar o preço mais acessível sem espremer quem produz. Quando o consumidor exige o selo e valoriza a feira da agricultura familiar, ele puxa a curva de oferta e ajuda a reduzir preços no médio prazo, com escala e organização.

Saúde, meio ambiente e soberania do prato

A legislação de orgânicos no Brasil foi construída de forma participativa e busca proteger o consumidor do “greenwashing”. Ela também afirma um caminho técnico: manejo ecológico, rastreabilidade e proibição de OGMs no sistema orgânico. No plano ambiental, práticas como rotação, adubação verde e controle biológico fortalecem a resiliência da lavoura e reduzem a dependência de insumos externos. No plano social, SPGs e OCS aproximam a cidade do campo e fortalecem redes locais de abastecimento.

Guia rápido para comprar melhor

Procure o SISORG no rótulo. Em compras diretas, pergunte pela OCS ou pela certificadora e anote o nome para consultar o cadastro público. Prefira feiras e cestas que indiquem o OPAC quando o produtor estiver no SPG. Desconfie de termos vagos como “natural” e “sem agrotóxicos” sem lastro documental, porque a própria norma proíbe publicidade que gere confusão com orgânicos. Ao pagar alguns reais a mais por algo que cumpre a lei e devolve vida ao solo, você está financiando um sistema que respeita gente e natureza.

No fim do dia, orgânico não é um luxo. É um pacto. Quem produz se compromete com práticas limpas e transparentes. Quem compra reconhece esse esforço e cobra políticas para que o orgânico caiba no orçamento das famílias e na dignidade de quem planta. Quando o preço é justo, todo mundo come melhor e o campo fica de pé.

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